
A escolha pelo veganismo não se resume apenas ao que colocamos no prato. É um posicionamento ético que transcende a cozinha e atinge nossa forma de consumir, vestir, cuidar do corpo e enxergar o mundo. No contexto de uma cultura latina, em que a comida simboliza afeto, partilha e celebrações, o veganismo pode parecer uma ruptura radical. Mas, ao entender seus fundamentos filosóficos e práticos, percebemos que essa decisão se conecta profundamente com valores de empatia, respeito e responsabilidade.
Emmanuel Levinas, em sua ética da alteridade, destaca que o “eu” só pode ser genuinamente ético quando regular e respeito o “outro” em sua totalidade. No veganismo, esse outro deixa de ser apenas o ser humano e passa a incluir animais, meio ambiente e até as futuras gerações. A partir do momento em que nos responsabilizamos pela vida que nos circunda, a ideia de explorar ou sacrificar um animal para satisfazer nosso paladar começa a ser questionada. Esse compromisso ético não é neutro: exige, sim, que façamos escolhas conscientes, muitas vezes contra a corrente de uma cultura tradicional baseada no consumo de proteína animal.
A perspectiva estoica, por outro lado, convida a refletir sobre nossos desejos e a buscar a coerência entre pensamento e ação. Sêneca, importante representante do estoicismo, argumentava que o ser humano racional deveria evitar o sofrimento sofrido, tanto próprio quanto alheio. Nesse sentido, o veganismo surge como uma prática de disciplina e virtude. Além de questionar padrões de consumo, o estoicismo nos ensina a valorizar a simplicidade e a encontrar satisfação em escolhas moderadas, alinhando o bem-estar pessoal ao respeito por todos os seres vivos.
No dia a dia, esse olhar ético vai além das refeições. Ser vegano implica avaliar a origem dos cosméticos, das roupas, dos produtos de limpeza e até da forma como nos deslocamos ou viajamos. E não se trata de uma doutrina que despreza as condições de quem não pode escolher, mas de um ideal que se adapta às realidades concretas. Em algumas regiões, comer carne ainda é ocasional de sobrevivência. Reconhecermos essas singularidades não invalida o veganismo; antes, o enriquecimento ao situá-lo como uma escolha que deve ser feita de modo consciente e respeitoso às diferentes culturas e realidades econômicas.
Nossa herança latina traz consigo um calor humano, uma paixão pela vida que pode florescer em uma postura solidária e empática. O veganismo, nesse sentido, torna-se um caminho consistente para quem deseja ampliar o círculo de cuidado e proteção. Ao optarmos por não consumir produtos de origem animal quando temos condições para isso, expressamos uma sensibilidade que valoriza a vida, sem esquecer a força que advém da partilha de alimentos, culturas e histórias de resistência.
Encarar o veganismo como parte de um estilo de vida ético é, portanto, um ato de redefinição pessoal e coletivo. É reconhecer que não somos meros consumidores, mas participantes ativos na construção de um mundo onde o respeito ao outro, humano ou não, seja prioridade. E, por trás de cada refeição ou escolha diária, carregamos valores profundos que unem coração e razão, pois a responsabilidade com a vida alheia também engrandece a nossa própria humanidade.
REFERÊNCIAS:
Levinas, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Martinus Nijhoff, 1961.
Levinas, Emmanuel. Ética e Infinito. Ed. Vozes, 1982.
Sêneca, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio (Epistulae Morales ad Lucilium). Diversas edições.
Cantor, Pedro. Libertação Animal. Editora Martins Fontes, 2004.
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. A Longa Sombra da Pecuária – Questões e Opções Ambientais, 2006.